ENTREVISTA - ZÉ LAURENTINO (1987)
Entrevista com o poeta José Laurentino Silva, ou Zé Laurentino, falecido em 2016. O depoimento foi tomado em 29/12/1987, com a participação de José Lira.
Acompanhe a TRANSCRIÇÃO em texto desta gravação em https://docs.google.com/document/d/1VEi1SxBbwVgRlu0-cxHO2mAoiY0T89SbdlXMJ7Jidsg/edit?usp=sharing
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Esta gravação é parte do acervo do músico Gabmar Cavalcanti Albuquerque, restaurado com apoio da Lei Paulo Gustavo, Secretaria de Cultura de Campina Grande, PB, e Governo Federal.
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O poeta Zé Laurentino
Benedito Antonio Luciano*
Embora soubesse do agravamento do estado de saúde do poeta Zé Laurentino, nos últimos dias, não deixei de sentir profundamente a notícia de sua morte, ocorrida no início da tarde de quinta-feira, 15 de setembro de 2016, em Campina Grande - PB.
Nascido no Sítio Antas, em Puxinanã - PB, em 11 de abril de 1943, José Laurentino Silva, filho dos agricultores Antônio Laurentino de Melo e Maria José de Melo, recebeu dos repentistas a sua influência poética.
Essa influência seminal é relatada pelo próprio poeta ao contar a sua história em versos (“Minha História”) nas páginas 268 e 269 do livro “Coletânea Poética de Zé Laurentino”, lançado em 2010, pela Editora Bagaço:
Comecei a fazer versosAos doze anos de idadeMorando no sítio AntasPuxinanã a cidadeOnde papai possuíaPequena propriedade.A casinha de papaiEra feita de alegriaAbrigo dos cantadoresVendedores de poesiaSe uma dupla chegavaO povo se aglomeravaTava feita a cantoria.E eu, moleque peraltaCaçula, muito pacholaMe criei acalentadoPor acordes de viola.Nas noites de cantoriaEu ficava prezenteiroEnquanto os outros meninosIam brincar no terreiroIndiferentes aos versosBeira-mar, quadrão mineiroEu ficava ali sentadoBoquiaberto, extasiadoPra ouvir o violeiro.
Apesar de dotado de grande talento para compor versos, Zé Laurentino não se tornou um cantador de viola, um improvisador. Segundo ele, isto não ocorreu porque não conseguia coordenar o canto com o tocar da viola. Tornou-se, então, um grande declamador, um dos melhores do estado da Paraíba e, talvez, do Brasil.
Iniciando a vida profissional como agricultor, Zé Laurentino estudou no Colégio Plínio Lemos, na sua cidade natal, onde durante quatro anos presidiu o Grêmio Estudantil daquele educandário. Posteriormente, foi eleito vereador e Presidente da Câmara Municipal de Puxinanã. Ele foi, também, um dos fundadores da Associação de Repentistas e Poetas Nordestinos, tendo presidido essa entidade por dois mandatos.
Em Campina Grande, atuou como radialista na Rádio Borborema e como funcionário público concursado no Ministério da Saúde, mantendo paralelamente a sua produção poética, na qual podem ser contabilizados cordéis, livros, discos, individuais ou em parceria, além de inúmeras participações em Festivais de Repentes em todo Brasil e Santiago de Compostela, na Espanha.
De sua autoria guardo autografados e com dedicatória três CD, um deles gravado em parceria com o poeta Chico Pedrosa, e três livros: “Carta de matuto”, “Meus poemas que não foram lidos” e “Coletânea Poética de Zé Laurentino”.
Lamentavelmente, Zé Laurentino, foi mais uma vítima do alcoolismo. Assim, ele viveu seus últimos anos submetido a grandes sofrimentos originados dessa doença terrível da qual ele tinha consciência dos efeitos devastadores, conforme se pode depreender a partir do soneto de sua autoria, intitulado “Etilismo”, presente na página 63 do livro de sua autoria “Meus poemas que não foram lidos”:
“Na conversa fiada ao balcão,numa dose de Rum ou de cachaça,vivo eu escondendo uma desgraça,uma mágoa, uma dor, uma paixão.A tristeza ou a dor do meu irmão,que minh’alma sensível logo abraça;ando eu escondido atrás da taça,procurando, no copo, solução.O dia é pouco, adentro a noite mansa.O etilismo intermitente avançae quando o Sol nasce belo e reluzente,se eu parar vem a depressão alcoólicae me parece que uma coisa diabólicame convida e eu bebo novamente.”
Sensível, carismático, generoso e amigo dos amigos, Zé Laurentino era um artista que se destacava pela simplicidade no trato com as pessoas. Como poeta, ele trazia para o âmago dos seus poemas a crônica do cotidiano, as dores do mundo, as preocupações sociais, ecológicas e causos engraçados, baseados em fatos pitorescos por ele vivenciados ou colhidos em conversas de mesa de bar.
Poemas como “Matuto no futebol”, “Eu, a cama e Nobelina”, “Conversa de passageiro”, “Carona de candidato”, “Esmola pra São José” e “Carta do matuto” ficarão marcados na memória dos apologistas, assim como toda a obra do poeta que certamente continuará sendo tema de estudos acadêmicos, pois Zé Laurentino foi, sem dúvida, um dos maiores poetas populares do Brasil.
* O autor é professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFCG.
Fonte: http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=18908
Fonte: http://www.ufcg.edu.br/prt_ufcg/assessoria_imprensa/mostra_noticia.php?codigo=18908